Alguém vai dizer, apressadamente,
ao ler o título que society se joga com 7 contra 7. Eu, claro, não retrucarei, apesar de ter minhas dúvidas a respeito quando vejo Nois Que Soma e Mulekes em quadra. É só ver os camisas 11 de cada lado correndo que parece que aquele 7 ritualístico é acrescido de algo a mais. Para Mulekes e Nois Que Soma, quando com Gian e Tuco em quadra, 7 não são apenas 7.
Quem acompanha a Série Ouro sabe que essa final era a mais esperada. Podia chegar lá qualquer um dos 20 times, é claro, mas no atual momento da divisão – e do futebol brasileiro como um todo – era merecida essa final. Não estou a dizer que os times mereciam estar na final (apesar que se chegaram fizeram por onde); digo que A FINAL MERECIA ESSES DOIS TIMES.
Teremos os dois melhores times do Chuteira no último ano e meio. Teremos os dois melhores jogadores em atividade. Teremos os dois melhores elencos, os dois mais entrosados, os dois mais vitoriosos, os dois com o futebol mais vistoso e bonito de se ver jogar. Essa final resgata um pouco do outrora culturalmente chamado de “futebol brasileiro”, que quem tem mais de 30 chegou a ver ainda um pouco ser praticado. Aos
millenials e similares, só a lamentar e a sugerir que assistam a este jogo.
Uns já disseram que eu, Lucas, queria essa final, que enfim teremos a final que eu desejava. Quando a gente organiza e cuida de 6 torneios, mais de 100 times, a preocupação maior é que as coisas deem certo. A menor das preocupações é quem vai chegar – apesar que não dá pra esconder o sorriso de poder ver essas duas forças decidindo o título máximo do Chuteira. Há dois anos o Mulekes caiu do pedestal e não se recuperava integralmente. Teve seu orgulho ferido pelo CAV por duas vezes e andou murcho, sem vida, precisando de terapia. Não que a mulekada seja um primor de intensidade e “alma” – o que já cansamos de apontar aqui como ponto fraco da rapaziada – mas a técnica e a racionalidade sempre falaram mais alto ao rubro-negro. Daí enxergarmos na chegada de Thiaguinho um elemento importante a reverter esse quadro.
Acostumado a vencer, a levantar canecos, o zagueiro pode injetar alma nessa equipe e dar a ela aquele extra que faltava para voltar a ser campeão. Claro que a base mantida junto a “novatos” como o próprio Thiaguinho, Léo Rinaldi e Dudu colocam o Mulekes num patamar bem acima daquele que se viu nos últimos anos. Daí termos visto 11 vitórias em 11 jogos.
Em compensação, o NQS parece uma versão mais acurada do Mulekes. Individualmente não tem a mesma qualidade, mas coletivamente, correndo em quadra, eles se transformam. E o que podia ser um amontoado de craques com outros “comuns”, vira uma máquina de fazer a bola rolar e enfiar gols. Na engrenagem do Nois Que Soma, os craques fazem os “normais” jogarem mais e melhor, transparecendo uma homogeneidade em que você não vê falhas ou pontos fracos. Pense que você é um sniper e tem um monstro imenso encouraçado tipo Smaug em sua frente. Você precisa dar o tiro fatal no ponto fraco do bichano, o único capaz de derrubá-lo. Você procura na cabeça, protegida por uma camada grossa de pele e osso; desce às patas, e nada de um mísero espaço de carne macia penetrável. Busca o peito e ali há um escudo de ferro. Onde mirar? Onde acertar e detonar o demônio antes dele te alcançar e te devorar? Eu imagino que seja um pouco assim que se sentiam os jogadores do Arouca ao serem mais uma vez destroçados por Paulinho e cia.!
Aos adversários do Mulekes, a mesma sensação. O Bode levou de 6 x 0, o TáLigado, de 5 x 1. Como jogar ante duas máquinas tunadas à véspera de te arrepiar? Como encarar um adversário que não sente o peso, que parece jogar e não suar, que vence sem demonstrar fazer esforço e que passa a sensação de que marcarão quantos gols quiser na hora que bem entender? É tipo encarar um gigante que tem ciência de sua maior força e tamanho e que em questão de segundos resolve a parada.
Claro que nenhum time é imbatível, nenhum time vence para sempre. O NQS viveu percalços na temporada, como muito falamos já, mas rapidamente se reencontrou. E se reencontrou quando Tuco voltou a ser assíduo às partidas. Leve, veloz, dono de uma habilidade sem tamanho no controle da bola com os pés, Tuco é daquele jogador que prefere o passe que o gol. Prefere a beleza da assistência, do toque mágico que escancara o gol para o companheiro. Claro que ele faz gols (tem 9 até agora), mas a sensação que passa é que fazer o mar vermelho se abrir, tal qual Moisés, é mais prazeroso do que de fato atravessá-lo. A sensação de potência quando você se sabe superior e tem o poder de destruir o time adversário é muito maior que a daquele que empurra a pelota pra rede. Duas situações ante o Arouca ilustram bem isso:
1. Contra-ataque, já no final do jogo, placar de 4 x 1. Tudo disparando e sendo parado com falta por Markinhos. Como diria a gíria do boleiro, apelou para não ficar mais feio. Tuco vai ao chão e fica estirado. Puxa a camisa um pouco pra cima e sorri, quase rindo. Alguns diriam que ele sorria da situação que se desenrolava – cartão amarelo, arouquenses reclamando, Nois Que Soma berrando que queria expulsão e por aí vai. Tenho certeza que Tuco estava alheio a tudo isso e sorria de sentir o poder que tinha naquele momento, de só ser parável com falta, apelando, porque sua habilidade estava suplantando o adversário com requintes de crueldade.
2. Assistam ao segundo gol do NQS ante o Arouca.
Tem o vídeo aqui – só ir no minuto 2min50s. Vejam de onde ele parte com a bola, a velocidade com que a carrega até o toque para Neres, sem goleiro, fazer. Vejam o controle de bola que ele tem, lembrando el pulgon Messi. Tuco é o el pulgon do Chuteira! (acho até que já fiz essa comparação em outro momento). Ele mata a bola, inicia a disparada, deixa 3 arouquenses para trás e, quase do bico da área, toca para o outro lado. ELE FAZ TUDO ISSO EM MENOS DE 5 SEGUNDOS!!! Você tem noção do que é matar uma bola e correr 40 metros e tocar de lado, observando posicionamento da zaga, do goleiro e do companheiro, em menos de 5 segundos??? É simplesmente fantástico!
Gian, para fazer o contraponto (nem tanto assim, já que joga de forma similar em se tratando de dar assistências), é tão ou mais garçom que o colega de camisa 11 do NQS. Numa contagem rápida, ele deu mais de 10 assistências na atual edição. Joga geralmente pela ala esquerda, por onde avança e faz as jogadas para quem está do outro lado. Abusa menos da velocidade e arranque, tendo a ampla visão de jogo e o passe acurado como fontes de sua genialidade. Reparem como nos três primeiros gols ante o TáLigado a bola sai da esquerda, dos seus pés, para acabar em rede do outro lado. O terceiro gol era uma assistência dele que acabou virando gol!
(assista ao vídeo aqui)
O MVP das finais é muito provável que seja um dos dois camisas 11 em quadra. Claro que outros vêm jogando muita bola e podem ser decisivos – como o caso de Paulinho, que reencontrou seu bom futebol após temporada em baixa; ou Felipinho, que fez um golaço de falta na semifinal e mostrou que bater na bola não esquece como faz; ou então Pedrinho, jogando atrás e adiantado com a mesma eficiência; ou então Dudu, um corisco repleto de habilidade e velocidade; ou Pivoto, o artilheiro de um time sem referência fixa no ataque; ou Murilo, um verdadeiro Hermes com asas nas chuteiras; ou Léo Rinaldi e Leco, dois pesos pesados quando se trata da arte de fazer gols; ou Vitinho, cuja elegância em se mover em quadra já o fez ser comparado ao rei de Roma; ou Tinho, cujos quase 1,90m de altura fazem parecer fácil defesas cujos meros mortais considerariam difíceis; ou Luiz Fernando, que comprova que marcar e jogar preenchendo espaços com inteligência pode ser sim uma das artes do futebol. Enfim, é uma miríade de craques passíveis de decidirem essa final que não tem como apontar só um!
A única certeza é: com quem ficar o título será merecido. Nós que estaremos lá para assistir agradecemos que ainda é possível sonhar e com o futebol.
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