Hoje queria fazer um poema. Falar de tudo que a vida tem de melhor. Enaltecer as práticas naturais; elevar os amores; e por que não também contemplar alguns dissabores. O problema é que a vida ficou um pouco mais sem-graça depois do anúncio da aposentadoria de uma das principais equipes que já passou pelo Chuteira – a 1ª rodada só veio a confirmar isso. O Fiorella Brasil não desfila mais seu futebol de talento e garra nos fins das tardes de sábado. Não haverá mais Rogerinho, Tigu, Van-Van, Franklin, João Paulo Arcanjo, Edson Claro e todos os Silva que dominavam a equipe alvorubra... pelo menos atuando juntos por um dos times mais longevos no Chuteira até então. Principalmente, não há mais a figura taciturna de seu líder: Ricardo Tavano.

Foi difícil quando o relógio apontou 17h30min e o raio de visão não enxergou, de longe, no horizonte, aquele magrelo, moreno, jeito desleixado, parecendo um integrante dos Ramones chegar caminhando vagarosamente. De vez em quando aparecia de chinelo, bermuda, nem parecia ser o líder principal da equipe detentora do título de campeão da 5ª edição da Série Ouro. É, Tavano, mesmo discreto, você chamava a atenção pelo simples fato de se manter... simples.
Nas últimas temporadas estava difícil de arrumar elenco, eu sei. Sua chegada ao PlayBall era cercada de seu mistério pessoal, mas também de mistério em relação aos jogadores. Quanta dificuldade para juntar pelo menos 8 jogadores. No fim, o seu Fiorella entrava em quadra e honrava as tradições. É disso que o universo do Chuteira sentirá saudade. Além do fato de que conversar contigo era sinônimo de relaxamento – uma vez que sua aparição no fim do dia ajudava a aliviar a tensão das horas anteriores, nas quais o número de pessoas no ambiente era amplo e os problemas, múltiplos.
Com as mãos nos bolsos, você me procurava para saber dos adversários de divisão. “Quais foram os resultados do Arouca e do SNG”, questionava-me. “E o CAV, está com um timão mesmo?”, interpelava-me. Fora os “chatos”, como Mercenários, Jeremias... Você sempre dizia: “Jogar contra essas equipes é sempre complicado. São times bem arrumados e que sabem se defender”. Conversávamos bastante, em meio à sua apreensão pelo simples fato de seu Fiorella não ter uma composição mínima para o jogo do fim do dia. Vai fazer falta essa mortificação.
O Fiorella é Tavano. E Tavano é o Fiorella. Com ele, o time sagrou-se campeão uma vez e foi, várias vezes, semifinalista. Ocupa ainda um lugar de destaque no ranking do Chuteira – vice-líder – e sempre foi uma das agremiações mais temidas e respeitadas dentro da Liga. Isso com quase ninguém assistindo aos seus jogos. Por conta de trabalho, no qual quase todos os jogadores labutavam aos sábados, os jogos do time ocupavam os últimos horários disponíveis na Série Ouro. Normalmente, a maioria dos jogadores e simpatizantes de outras equipes ou já havia se retirado do PlayBall, ou estava mais preocupada com a cerveja e a resenha – fato é que as partidas do Fiorella aconteciam praticamente sem espectadores. Piorava quando os jogos ocorriam na grande, na isolada quadra 5... Mas você quase sempre estava lá, Tavano.
Porém, ver a atuação dos meninos do time compensava o cansaço físico e mental de um dia cheio de trabalho. Mais ainda: a satisfação em ver a frieza e a emoção advindas simultaneamente do ânimo de Tavano erradicava qualquer sentimento de fadiga que poderia atormentar os corpos presentes aos jogos. “Nós vamos ficar comendo merda até quando? Vão achar que não podemos ganhar até quando?”, foram frases ditas por ele durante o jogo semifinal ante o CAV, na edição XV da Série Ouro, na qual o Fiorella foi eliminado na ‘morte súbita’. Esse é o papel de um líder, algo que Tavano nunca negou.
Esse contraste entre a calmaria e a radicalidade movia o ‘mister Fiorella’ dentro do Chuteira. Antes (e depois) das partidas era lúgubre, pensativo, poucas palavras, observador; durante o confronto, deixava o estilo Oswaldo de Oliveira de lado para se tornar um técnico estilo Luiz Felipe Scolari, bravatando e regendo uma orquestra movida aos seus berros e ensinamentos. Ensinamentos de quem já esteve dentro de quadra e que ajudou o Fiorella a levantar o único caneco que possui no Chuteira.
Quem conhece o Tavano técnico não sabe que existiu o Tavano jogador. Sim, o magrelo com cara de Joe Ramone atuou – e muito bem – antes de se aposentar dos gramados por conta da idade. “Deixa a molecada se divertir”, você dizia a mim. Entretanto, seria uma grande alacridade vê-lo em ação nas quadras. Afinal, todos somos jovens ainda!
Entendo suas prioridades e sei que o compromisso de estar com seu time todos os sábados, desde 2007, é um fardo bom, contudo pesado. Por isso te digo: Vai, Tavano. Não serão essas palavras a te segurar. Apenas queria dizer a quem lê estes parágrafos o quanto você e o Fiorella farão (já fazem) falta ao Chuteira de Ouro. O futebol ofensivo que a sua equipe alcançou durante todos esses anos tem, sim, boa parcela de “culpa” destinada a você. Isso porque sua natureza é calma. Imagina se fosse agitado, prestes a explodir igual a uma bomba-relógio. Não, a imagem que queremos é a de você chegando no corredor principal de acesso às quadras tranquilo, com as mãos nos bolsos, de chinelo, desesperado por dentro, mas soturno por fora. A imagem que fica é a de um amigo e, principalmente, um vencedor.
Comentários (3)
- Johnny
mar 10, 2014Belo texto! o//
- Guilherme argondizo de rosis
mar 10, 2014Definitivamente o melhor texto que já li neste site! Parabéns Douglas.
- Luis Gabriel Marques Rodrigues
mar 11, 2014Sensacional o texto, e que falta fará o Fiorella com certeza esse é um dos times que o Fúria FA se espelha.